SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, conversou nesta quarta (4) com Vladimir Putin. Eles discutiram a escalada na guerra da Ucrânia, e o americano disse que o líder russo afirmou estar decidido a retaliar o mega-ataque de Kiev a suas bases de bombardeiros no domingo (1º).
O telefonema, o quarto entre eles desde que o republicano voltou à Casa Branca, girou em torno da crise. Segundo Trump, ambos também discutiram o Irã, que está em difícil negociação com os EUA sobre seu programa nuclear, e concordaram que Teerã não deve ter o à bomba atômica.
"Foi uma boa conversa, mas não uma conversa que levará à paz imediata. O presidente Putin disse, de forma bastante forte, que ele terá de responder aos recentes ataques a aeródromos", afirmou o americano.
O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, criticou Trump sem citá-lo. "Se o mundo reage de maneira fraca às ameaças de Putin, ele considera tal atitude como permissão tácita -para novas atrocidades, novos ataques, novos assassinatos", disse ele, que também rejeitou as demandas russas para a paz.
Antes da ligação, os Estados Unidos haviam criticado o ataque ucraniano, sinalizando ver risco de escalada até nuclear por parte de Moscou.
A desaprovação foi expressa pelo enviado americano para a Ucrânia, Keith Kellogg, e confirmada de forma prática pelo secretário de Defesa, Pete Hegseth, que se recusou participar da rotineira reunião de 57 países que dão apoio militar a Kiev -é a primeira vez que um americano não estará presente.
Na noite de terça (3), Kellogg, que foi rebaixado do posto de negociador principal da guerra por ser visto por Moscou como muito próximo de Volodimir Zelenski, disse: "Os níveis de risco estão indo para o alto. Digo, com o que ocorreu no fim de semana", afirmou à Fox News.
"As pessoas têm de entender no contexto de segurança nacional. Quando você ataca parte do sistema de sobrevivência nacional de seu oponente, que é sua tríade nuclear, isso significa que seu nível de risco sobe porque você não sabe o que o outro lado vai fazer. Você não tem certeza", disse.
Tríade nuclear é o jargão para os três meios que grandes potências empregam suas armas atômicas: lançadas por aviões, submarinos ou do solo. No caso, Kellogg se referia aos bombardeiros Tu-95 atacados por Kiev, ao lado de modelos que não são mais usados para essa missão por Moscou, os Tu-22.
Um número incerto deles foi destruído no domingo. Kiev falou em 41, depois disse que destruídos foram 13, número que bate com a estimativa de 12 ouvida pela Folha de S.Paulo na Otan. A agência Reuters disse que os americanos contaram 10, a partir de imagens de satélite -ainda assim um grande estrago, quase 10% da frota de bombardeiros.
A fala calculada de Kellogg revive o temor que permeou as ações dos EUA sob Joe Biden, que apoiava radicalmente a Ucrânia, ao contrário de Trump, que buscou aproximar-se de Vladimir Putin e reabriu as difíceis negociações entre Kiev e Moscou.
Ao longo da guerra, Biden evitava movimentos que provocassem o Kremlin, que desde o início do conflito em 24 de fevereiro de 2022 sacou a carta nuclear contra quem se opusesse à invasão. Isso foi sendo flexibilizado, culminando na autorização para ataques limitados com mísseis ocidentais dentro da Rússia, no fim de 2024.
Segundo disse à reportagem uma pessoa próxima do Kremlin nesta quarta, a leitura do movimento americano é de acomodação. Esse observador não crê em retaliação nuclear, e diz que os russos esperavam uma posição de distanciamento dos EUA do humilhante ataque às suas bases.
A situação ficou ainda mais tensa na terça, com o ataque com explosivos de Kiev à simbólica ponte da Crimeia e os rumores de ação contra uma base naval russa na península. Na Ucrânia, o dia foi de expectativa, com alerta de ataques balísticos com o novo míssil Orechnik, desenhado para guerras nucleares, que acabaram não ocorrendo.
Nesta quarta, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que a ação na ponte não deixou danos significativos. Ele reiterou que as negociações, que tiveram uma rodada na segunda (2) com troca oficial de termos de lado a lado, serão complexas.
Zelenski disse que as demandas russas para cessar-fogo e paz, que incluem cessão territorial, neutralidade e até eleições na Ucrânia, são "um ultimato inaceitável".
Putin, por sua vez, afirmou em uma teleconferência sobre a guerra com autoridades que "o atual regime em Kiev não precisa de paz". "Como podemos negociar com aqueles que contam com o terror?", disse, referindo-se a um ataque no fim de semana contra pontes ferroviárias na Rússia que matou sete pessoas.
O negociador-chefe russo, Vladimir Medinski, relatou a Putin na reunião os detalhes do encontro de segunda em Istambul, e confirmou que está tudo pronto para mais uma troca de prisioneiros nos dia 7 a 9.
O ataque do domingo teve impacto psicológico e pode ter afetado algumas capacidade militares russas, mas não altera o modo com que a guerra é lutada por Putin: por atrito de infantaria e artilharia.
Com efeito, suas forças avançaram um pouco mais na região norte da Ucrânia, e já têm a capital regional de Sumi a cerca de 20 km de suas baterias e drones.
COMPROMETIMENTO DE TRUMP DEPENDE DE GASTO, DIZ OTAN
Após anunciar que a Ucrânia seria novamente convidada para a reunião de cúpula da aliança, no fim deste mês, o secretário-geral da Otan, o holandês Mark Rutte, afirmou que o comprometimento dos EUA com o grupo depende de seus outros 31 membros aumentarem seus gastos militares.
Na véspera, ele havia dito que seria necessário quintuplicar a capacidade de defesa aérea dos países do bloco.
É um discurso conhecido. A expectativa é de que a Otan estabeleça metas irrealistas de investimentos na sua cúpula para responder à demanda de Trump, que vê os EUA excessivamente envolvidos na defesa da Europa. Rutte já sugeriu colocar a meta de gasto em 5% do PIB com defesa -nenhum país da aliança gasta tanto, com a Polônia, na liderança, investindo cerca de 4%.
Hoje, o alvo é 2%, vistos como insuficientes. É um movimento em curso há uma década: quando Putin anexou a Crimeia em 2014, só 3 dos então 28 membros do time cumpriam os 2%, número que ou a 23 de 32 em 2024.
No ano ado, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (Londres), a Rússia elevou em mais de 40% sua despesa militar, ultraando todo o gasto da Europa em termos reais. Os EUA seguem sozinhos como maior potência no setor, responsáveis por 39,4% de tudo o que o mundo emprega em defesa, ante 22,1% de seus parceiros de Otan.
Rutte não disse se Zelenski irá participar da cúpula em Haia, na Holanda, como já fez anteriormente. Sua preocupação com os EUA foi temperada nesta semana pelo anúncio de que Trump quer continuar com um general americano no posto do comandante-geral das forças da Otan, historicamente uma prerrogativa de Washington.