(FOLHAPRESS) - Que os argentinos guardam seus dólares em maletas, vasos de plantas e no fundo do armário não é segredo, e em busca de injetar mais de US$ 200 bilhões que estão fora do sistema na economia formal, o governo de Javier Milei anunciou nesta quinta-feira (22) um pacote de medidas para incentivar o uso de dinheiro não declarado.
O plano para legalizar as economias no "colchão", abrandando os pedidos de declarações sobre a origem dos recursos, está previsto para começar em 1º de junho. Para evitar o estigma de que se trata de uma lavagem de dinheiro, a Casa Rosada batizou o programa de "Plano de Reparação Histórica da Poupança dos Argentinos".
A Arca (órgão responsável pela arrecadação de impostos e o controle aduaneiro) deixará de pedir informações ao contribuinte em diferentes operações, como compras com cartões de crédito e débito e carteiras virtuais para consumo pessoal. Até então, os es dos cartões tinham de informar o órgão sobre todas as operações.
Além disso, os cartórios não terão que comunicar operações por meio de relatórios mensais. A compra de carros usados, o anúncio de que um imóvel havia sido colocado à venda, pagamentos de despesas inferiores a 32 mil pesos argentinos e gastos com serviços públicos -como eletricidade, água, gás e telefone- também deixam de ser reportadas.
O governo ainda vai aumentar os limites de valores mensais mínimos a partir dos quais as instituições financeiras e empresas devem informar ao Fisco, em operações como saques, transferências e investimentos em renda fixa.
Antes do anúncio, as sinalizações dadas por Milei em entrevistas indicavam que as medidas seriam até mais agressivas, com a permissão para a lavagem de dólares sem um limite de valor, o que poderia fazer com que a Argentina descumprisse acordos internacionais sobre o tema.
O plano terá duas etapas: uma que será feita pelo governo por meio de um decreto a ser assinado por Milei e outra que será enviada ao Congresso como um projeto de lei.
O porta-voz do presidente, Manuel Adorni, destacou que o princípio da inocência dos contribuintes será respeitado a partir de agora e que os argentinos serão considerados inocentes até que se prove o contrário.
Acompanhando a equipe do Ministério da Fazenda, entre eles o ministro Luis Caputo, e o chefe da Arca, Juan Pazo, Adorni listou as razões que levaram o governo a implementar esse plano.
Ele argumentou que a Argentina é um país onde a poupança foi criminalizada, o que é resultado de uma má gestão governamental que desestimulou a criação de riqueza e levou à inflação e a um sistema tributário injusto.
Também disse que o governo anterior, do peronista Alberto Fernández, havia aumentado impostos sobre os cidadãos, prejudicando a economia e forçando muitos a optarem por soluções informais.
"Essa abordagem excessivamente fiscalizadora não conseguiu resolver problemas de lavagem de dinheiro, e em vez de ajudar, fez com que cidadãos honestos se sentissem desconfiados do sistema financeiro", disse.
Adorni enfatizou que os cidadãos devem ter controle sobre seus próprios recursos e não precisam explicar a origem do dinheiro.
"Aqueles que têm dólares no colchão escaparam de um regime opressivo", disse recentemente Milei em um congresso de executivos de finanças. "Acreditamos que não são criminosos, são pessoas que conseguiram escapar."
Apesar das críticas da oposição sobre como essas medidas afetariam o combate à lavagem de dinheiro e que poderiam regularizar dólares obtidos por meio de atividades ilícitas, Adorni garantiu que o governo não desistirá do combate ao crime financeiro, e afirmou que recursos seriam alocados para punir criminosos de forma rigorosa.
O governo estima que os argentinos mantenham entre US$ 200 bilhões e US$ 400 bilhões fora do sistema. Os motivos incluem a falta de confiança na moeda local que desestimula a poupança em pesos e episódios traumáticos, como o confisco de 2001, conhecido como "corralito".
A falta de dólares é um problema crônico da economia argentina, e o banco central vinha perdendo reservas mês a mês desde a implementação do plano econômico de Milei contra a inflação. Em abril, o governo selou um novo acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), de US$ 20 bilhões. A primeira parcela, de US$ 12 bilhões já foi depositada.
Este é o segundo programa de Milei para tentar formalizar os dólares que os argentinos mantêm sem declarar. No ano ado, o governo promoveu o que chama de "blanqueo" em três etapas, com pagamentos de impostos que iam de 30% a 15% para somas maiores de US$ 100 mil.
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